30 de outubro de 2017

Como explicar a morte a uma criança?

A morte da minha mãe foi um momento crucial para mim - tal como será, certamente, a morte de um ente amado, para qualquer pessoa que me leia.
As enfermeiras - ao longo dos dias - iam-nos dizendo para nos prepararmos para o pior.

"Como é que alguém se prepara para a morte? E mais: para a morte da própria mãe?", perguntava eu. É impossível. Não há preparação possível. Há um processo de mentalização e pouco mais.

E depois, avistava outra questão fundamental: como vou contar ao Henrique que a avó morreu? A avó com quem ele dormia sempre que a visitávamos?
Como explicar a morte a uma criança de 4 anos que ainda nem sequer consegue perceber esse conceito? Se, nem eu - no alto dos meus 34 anos - consigo processar, como fazer uma criança entender? Li algumas coisas. Simplificar, responder às perguntas da forma mais clara possível... e atenção: as crianças são imprevisíveis e poderão aceitar melhor do que se espera.

Não sou psicóloga. Não tenho formação com crianças. A única coisa que tinha é o meu tacto de mãe.

A minha mãe morreu a uma 5.ª feira. O funeral foi na 6.ª e eu estava um caco. O Henrique tinha passado 5 dias em casa dos avós paternos - o maior número de dias separado de mim, desde sempre. Ele começava a escolinha na 2.ª feira. Falei com a educadora dele. Havíamos combinado que só diríamos mais tarde, para ele passar - sem sobressaltos - a primeira semana de escola. No sábado seguinte, durante a tarde, foi o momento.

Usei a minha educação cristã, para embelezar um pouco a coisa.

"A avó São estava, como tu sabes, muito doente. Então, foi ficando cada vez mais fraquinha e mais fraquinha e morreu. Agora, ela é quase como uma estrela... é o teu anjo da guarda. Lembras-te quando te ensinei a oração do anjunho? Anjinho da Guarda / Minha companhia / Guarda a minha alminha / De noite e de dia... - quer dizer, que, agora, a avó São vai estar sempre sempre a tomar conta de ti. Vai ser o nosso anjo mais especial!"

Expliquei que me iria ver triste e, se calhar, a chorar um pouco, mas que não se preocupasse, porque eram só saudades.
Inicialmente, riu-se. Ouve tantas vezes o pai a dizer que "morreu" na Playstation que a morte, para ele, deveria resolver-se com um revive de um parceiro de equipa.

"Percebes, filho, o que a mamã está a dizer? Quando formos a casa da avó, ela já não vai estar lá. Nunca mais. Só o avô e os tios".

À noite, a coisa "bateu-lhe". Começou a fazer perguntas:
- se a avó estava fraquinha, porque não comeu mais comida para ficar forte, mamã? Dizes sempre que a comida nos deixa mais fortes e com energia...
- porque é que a avó morreu?
- agora quem vai brincar comigo ao jogo da pesca?
- se tu morreres, quem toma conta de mim?
- e se eu morrer...?

Perguntas em catadupa que me fizeram engolir em seco, tentar abafar o meu próprio desgosto e explicar o melhor que podia, de maneira satisfatória.

Acho que entendeu. Hoje, já dois meses praticamente volvidos, de quando em quando, dá-me um beijo e um abraço, assim do nada: "para não ficares mais triste, mamã, porque a avó morreu!".


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